No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com Gonçalo Byrne sobre a remodelação da sede do Banco de Portugal e como a arquitetura pombalina teve uma importância fundamental no desenvolvimento da cidade de Lisboa. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - O projecto sobre o qual vamos falar hoje é um projecto de co-autoria com o arquitecto João Pedro Falcão de Campos. Estamos muito entusiasmados com esta conversa porque o Gonçalo, para além de autor deste projecto, é presidente da Ordem dos Arquitectos e por isso também tem contribuído activamente na valorização da arquitectura de várias formas. E antes de falarmos sobre o projecto – e uma vez que hoje vamos falar de dinheiro – queria referir que, em Portugal, a adjudicação pública de edifícios, a adjudicação das nossas escolas, centros de saúde, mercados, espaços públicos e, inclusivamente, a habitação pública... são feitos maioritariamente com base no preço mais baixo. Que consequências vamos ter no futuro para as nossas cidades se esse continuar a ser nosso único factor de decisão?
Gonçalo Byrne - A minha resposta é muito clara. As consequências não são nada que se cheire. Ou seja, nós vivemos num mundo de total ilusão, para não dizer de total ignorância, para não dizer mesmo iliteracia da parte da administração pública em relação àquilo que é a prestação dos serviços de arquitectura. Porque, desde logo, obviamente que a prestação dos serviços de arquitectura – para já, até do ponto de vista económico – é muito importante na criação de uma mais-valia. E as mais-valias que os arquitectos criam quando fazem projectos – e, sobretudo, quando fazem projectos de qualidade, projectos bem feitos – não são de todo reconhecidas.
Eu acho muito curioso porque a administração pública de modo genérico – para falar do governo até às autarquias, de uma maneira geral... claramente há excepções, mas, infelizmente, são muito poucas – por um lado, deita imensos foguetes e louva quando tem um vago conhecimento de que a arquitectura portuguesa é muito prestigiada no estrangeiro; por outro lado, quando se trata de trabalhar internamente é exactamente o reverso da medalha. Há um caminho, eu diria, até de desconsideração e de desrespeito de não validação do trabalho. Em termos muito concretos, só para dar uma ideia de uma coisa que muita gente não sabe: o famoso Código dos Contratos Públicos (CCP) já vai em perto, se é que não ultrapassou, cerca de 500 artigos. Ora uma lei que já vai perto de 500 artigos eu diria que o melhor que havia a fazer era deitá-la fora.
SN - Era uma nova lei!
GB - Há qualquer coisa que não está bem. Esta visão hiper-legislativa... temos em Portugal um país que abriu este caminho... Portugal é um grande seguidor, que é a Itália e que tem um problema muito idêntico ao nosso. É que este mundo da hiper-legislação é uma herança napoleónica, eu diria, mas que nos países sobretudo da Europa Meridional atinge dimensões completamente catastróficas. Mas a verdade é que quando se percebe o mundo dos law makers. Ou seja, dos legisladores... se vir as profissões que estão representadas, por exemplo, na Assembleia da República (AR) verifica que a grande percentagem é gente de Direito porque, efectivamente, a carreira política puxa sempre pelos fazedores de leis. Portanto, pelo mundo do Direito ou então pelo mundo da Economia também.
Quando se chega a legislar sobre aquilo que enquadra a transformação, a adaptação, a valorização da qualidade das cidades, dos edifícios, do próprio espaço público, de, por exemplo, em termos da mobilidade das infraestruturas – aqui estamos a falar não só dos arquitectos, mas também dos engenheiros – o Código dos Contratos Públicos, que tem mais do que uma forma de contratar, mas a verdade é que na gestão corrente o modelo da contratação no exclusivo critério da oferta mais baixa é aplicado na ordem dos 90, ou 90 e tal por cento. Ou seja, os outros modelos não são aplicados. O que é que isto quer dizer? Quer dizer: adjudicar ao preço mais baixo, sem ter mais nenhuma outra preocupação é um pensamento único de um critério único que, obviamente, não é um critério de qualidade. Quando muito é um critério de quantidade financeira. Portanto, não há qualquer preocupação da qualidade da resposta. Há aqui, claramente, uma falta de diálogo entre as formas de conhecimento, entre as profissões e há uma concentração numa jurisprudência, que é fundamental, que é importantíssima, mas que devia estar integrada no mundo do conhecimento bastante mais abrangente.
Eu sinto que há aqui também uma fragilidade nossa muito grande. Uma fragilidade que resulta muito deste alheamento em relação a estas questões. Quer dizer, a profissão do arquitecto – e estou a falar do arquitecto de projecto – tem várias características que eu acho que são extraordinárias. É uma profissão absolutamente fascinante, mas muitas vezes é interpretada no sentido do culto, de um isolamento porque ainda há este mito romântico do artista iluminado. E isto, muitas vezes, gera umbigos muito grandes. A comunicação, a discussão e a aproximação em relação à sociedade, em relação aos utilizadores, em relação, eu diria até, à própria política... porque, de facto, a arquitectura tem uma dimensão política fortíssima, que não é dos partidos. É aquilo que se chama pólis. E pólis quer dizer fazer cidade. Ou seja, participar no fazer cidade.
A arquitectura trata da cidade viva, da transformação da cidade. Eu diria da contínua refundação da cidade e dos próprios edifícios – quer sejam construções de raiz, quer sejam, e cada vez mais, de reabilitações, readaptações – em ligação com os engenheiros, os paisagistas e com outros técnicos que também são chamados aqui. Agora o domínio estrito, específico do arquitecto é, claramente, essencial no meio destas decisões. E a questão da qualidade é uma questão que eu acho que é fundamental porque o próprio Estado português a exige. A Constituição da República Portuguesa, quando fala no Direito à Habitação para qualquer cidadão português acrescenta um adjectivo, que diz: “habitação digna” para qualquer português. Ora, quando se fala em habitação digna está-se a introduzir um critério de qualidade.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
- João Carlos Santos
- Manuel Aires Mateus
- Carlos Antunes e Désirée Pedro
- Adalberto Dias
- Pedro Guimarães
- Eduardo Souto de Moura
- Diogo Aguiar
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
- atelier extrastudio
- Sofia Couto e Sérgio Antunes
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.